A lua brilhava no firmamento, indiferente ao frio diabólico que se alojara no cubículo de pedra. Ele não esquecera o esplendor daquela luz, e nunca o faria — porém, tampouco podia agradecer aquela dádiva que não mais o atingia. O olho que lhe sobrar ainda derramava lágrimas, como que lamentando a órbita vazia e sangrenta que a pálpebra esquerda escondia.
Três noites e três dias se passaram naquele tormento, e somente sua certeza inabalável o sustentava vivo. A certeza de sua necessidade, da obrigação de estar ali e não fugir, e de sua inocência.
Engolindo o desespero e a dor junto com as lágrimas, Kilah ergueu os olhos para onde a parca luz iluminava. Passos, ouvira passos... ou seria mais uma alucinação provocada pela sede, pelo sofrimento, pela esperança morta? Não, era real — e, de repente, a porta se abria, e nela estava seu irmão e senhor, o príncipe Carl.
Não partilhava da cor pálida da pele e dos cristalinos olhos azuis do príncipe, contudo, ambos julgavam-se irmãos, nascidos do mesmo corpo e donos da mesma alma. Kilah fora um belo e forte filha da mãe África, criado na morada dos príncipes desde muito criança e aprendendo a esconder de forma astuta, mas sem nunca deixar morrer, o orgulho de seu sangue negro.
Com o belo rosto alterado pela dor, Carl abaixou-se junto ao irmão Kilah. Olhou fundo em seu olho único, redondo e negro, e limpou com a mão enluvada o sangue que quase secara no rosto ferido. Kilah, agora, abandonara-se às lágrimas, nas mãos do único a quem se permitia revelar seus medos.
O moço negro, amarrado à parede como animal, sabia o motivo pelo qual fora aprisionado, torturado e abandonado. Sabia de Annabelle, conhecia o esconderijo de suas mãos e sua perna direita e assumira a autoria do crime por amor a Carl. O filho do rei jamais seria perdoado por seus crimes, perderia seu poder e sua ascendência divina e abençoada — então ele, um pobre criado que nada possuía, ficara feliz em servir e salvar seu senhor.
Kilah não ignorava todo o poder que seu irmão de fronte alva, agora levantando, com olhar distante, possuía: com sua intervenção, seria liberto rapidamente e ganharia de volta sua singela liberdade, único bem que desejava. Movimentou os lábios, forçando a voz que não saíra por três dias, nem mesmo para formar um único grito; queria somente exprimir sua gratidão pelo príncipe não ter esquecido dele e ter vindo buscá-lo.
Entretanto, mudando o semblante em um misto de asco e pavor, Carl saiu da cela sem nada falar, levando consigo toda a esperança do filho do rei negro e abandonando-o a mercê da covardia dos crimes pelos quais assumira a culpa.
Ao nascer do sol, e segundos antes de perder o ar para sempre, o servo Kilah pediu perdão a si mesmo, por ter acreditado, e, com um último grito, em lugar de pedir justiça, clamou por vingança.
2 comentários:
Putz, sem palavras... parece um poema épico,ou uma balada antiga...
Nascidos do meus corpo e donos da mesma alma. *-*
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