domingo, 28 de junho de 2009

Drinking

Ele adoraria poder dizer o oposto. Mas a música sempre lhe feria os ouvidos, cortava-lhe a alma como navalha enferrujada. Tocar o saxofone o fazia sofrer, era seu modo de chorar sem que ninguém percebesse.

Quando ela lhe perguntava por que continuava tocando, ele costumava responder que, como todo mundo, nunca vivera um dia no qual não sentisse vontade de chorar. E que ouvi-la cantando com ele era um prazer que superava a dor — ela conseguia ser toda inacreditável quando cantava. Uma fada ou um demônio, com as notas suaves que vinham de longe, muito longe, talvez até de outra alma, contando passagens e sonhos que nunca existiram, perfeita como tudo e como coisa alguma.

Era uma perdida, ambos eram; entretanto, ele fechava os olhos enquanto fazia soar as notas de seu instrumento para não cegar-se com o brilho do olhar dela. Ele amava ouvi-la mesmo quando ela não percebia que cantava, e era o motivo maior pelo qual partilhava com ela seu teto e sua cama. Seu canto era para ele o que Saul ouvia de Davi, e seus demônios particulares limitavam-se a calar, bebiam das palavras doces que provinham da boca de sua Dama dos Olhos Fundos, ficando perdidos e parados diante de tamanha beleza. Ele lhe teria eterna gratidão por cada um daqueles momentos de paz, se assim lhe permitisse sua cobiça.

Sentado em sua cama, tendo o saxofone apoiado na perna esquerda e a cabeça de sua companheira na perna direita, os cabelos parecendo quase dourados à luz do sol que se punha, André costumava se perguntar o que o movia a continuar. Não tinha família, mulher, amigos, grandes ambições, nada. Sempre chegava à conclusão incômoda de que não era feliz, e que precisava mudar aquela realidade.

Quando tal idéia cruzava sua mente, André fechava os olhos com força. Fugindo. E esperando. A voz preguiçosa, morna como a cama e tudo o mais ao redor, aconchegante, provocante, invariavelmente soava mais ou menos nesse instante:

— Dré, toca uma música pra mim?

Ele suspirava. E provocava:

— Sabe que, pra mim, tocar não é prazer nenhum.

E ela ria, o riso quase tão musical quanto sua fala:

— Devia agradecer por conseguir agradar alguém mesmo com suas lágrimas. Não é todo mundo que tem essa sorte.

— Sorte?

— Não discuta, Dré... apenas toque. Por favor.