quarta-feira, 16 de março de 2011

OLHOS VERDES

Ele tinha olhos verdes. Nada demais, nenhum traço de príncipe ou deus grego. Nenhum modo de marquês, luvas ou afetação, nada. Era um moleque comum, mas de olhos verdes. Brincando de ser quem os outros queriam que fosse. Bombeiro, fazendeiro, modelo, cantor, amante — sempre para os outros.

As pessoas ao redor não, mas ele duvidava da cor dos próprios olhos. “Devem ser castanhos como os de qualquer outro. Devem ser negros, de uma falta de cor sem graça. Talvez eu seja até cego.”. Contudo, nunca deixou de fazê-los brilhar para todos. Tornou-se prisioneiro da imagem que criou — de paciente, de engraçado, de despreocupado. Pessoas vinham de muito longe para vê-lo, e partiam satisfeitas por não o terem conhecido realmente. Quando ele pensava em ficar triste, lá vinham outros espectadores; e o circo recomeçava, com o maravilhoso mágico e palhaço e domador e equilibrista de olhos verdes.

Seu pior passatempo era dominar pequenos mundos. Atraía para si sóis, estrelas e paisagens: seus olhos funcionavam como um gigante ímã e suas mãos como doces garras devoradoras. Ele nunca conseguia enxergar tudo o que destruía, e não tinha piedade— melhor, desconhecia tal sentimento. Mas nem por isso ignorava o que era sofrer: afinal, ninguém conhecia seu mundo, nem mesmo ele; e isso era o mesmo que não ter mundo nenhum.

Até que ele encontrou uma senhora de olhos claros, escuros e incolores, que nunca brilhavam por si só. Ele viu o brilho dos próprios olhos, refletido nos dela, e sorriu, mesmo sem entender. Pôde ver seu próprio mundo naqueles olhos sem forma. Descobrira, talvez, uma companhia para toda a vida, alguém para o qual não precisaria fingir mesmo se quisesse.

Chorando, como nunca antes ousara fazer, abraçou-a com força. E num segundo engoliu seu mundo, seus sonhos, seus desejos (eram todos bem pequenos e couberam bem em uma só mordida), desviando os olhos para o vermelho de outra roupa quando a senhora desfaleceu.