— Não. Eu não vou passar daqui.
— Pense bem. Estás tão perto agora! Mais alguns passos, tão poucos que nem perceberás a distância. Teu destino está logo ali, ao alcance das tuas mãos.
Ela olhou para o penhasco à frente, cruzando os braços na frente do peito. O cansaço das pernas doídas lhe envergava as costas, deixando uma feia impressão de uma corcunda. Levava as roupas rasgadas e tinha vários arranhões e cortes a enfeitar o corpo esguio. O coque do cabelo loiro havia se desfeito no caminho, e várias mechas escondiam o rosto felino e os olhos azuis-escuros.
Ela parou, mas não pareceu a ele que estivesse realmente pensando. Já estava resoluta.
— Não dá mais. Não importa. Eu não vou.
— Desistirás, então? Depois de todo o caminho percorrido? Sabes o que acontecerá, não é?
— Sei sim. Muito bem. Eu não vou chegar a tempo de unir meu destino ao de meu amado. Isso me dói como cada um de meus cortes dói. Dói como doeu o osso do meu braço ao ser partido, um mês atrás. Há dois anos percorro essa estrada, e dois anos eu possuía para mudar nossa separação em união. Não consegui. — anunciou ela, jogando-se ao chão em seguida.
Chorava, mas a ele pareceu que era mais por ódio do que por desespero. Perguntou-lhe o que lhe afligia, a ela, que havia fugido de seu reino para partir atrás do amado, levado contra a vontade para servir a uma feiticeira maligna. Andara a esmo por dois longos anos, levando consigo somente a companhia dele, um espírito da floresta que se compadecera de seu amargor, e uma espada roubada do arsenal de sua família. Renegara casamentos, riquezas, conhecimentos, a uma vida de felicidade, para somente caminhar e lutar por um grande amor.
Todo aquele caminho, todas as decepções e provas, todas as superações, para pararem ali? A meros passos do grande castelo da bruxa?
— Sim. — confirmou a mulher, limpando o suor da testa com as costas das mãos. — Eu lutei, caí e levantei inúmeras vezes. Chorei e implorei, e mais do que ninguém, você sabe que vivi mais vidas do que pretendia, e todas elas em constante dor.
Mas agora... olhando de frente para este castelo... ele não me parece tão grande. Nem tão seguro. Sabemos que meu amado está vivo. Talvez esteja melhor do que eu. E, se vive bem e com saúde...
... por que não veio atrás de mim?
O espírito da floresta olhou para ela com o sentimento dos espíritos equivalente à compaixão. A paixão cega durara todo aquele tempo, e a dúvida vencera, afinal: o que a mulher não percebia, enquanto virava as costas para o castelo e retomava o caminho para casa, é que paixões cegas não são as únicas paixões que existem.
Ele não a alertou que, embora dias e noites e anos se passassem, ela ainda olharia perdidamente para o sudeste, depois que o sol nascia e logo antes de ele se por. Também se absteve de dizer a ela, doce mulher, que seu sorriso de vez em quando morreria no lento compasso de uma lembrança.
Anos e vidas passariam, pensou o espírito, e ela se lembraria de toques e cheiros, até que não se lembrasse sequer de si mesma — a triste sina de haver caminhado num compasso enlouquecedor, e tão intenso quanto a própria vida. Silenciosamente, ele limitou-se a segui-la, agitando seus cabelos e concedendo um frescor de primavera ao caminho de volta da jovem guerreira.
Um comentário:
Quando vc disse que ela parava, eu achei que era tudo na mente dela... Viu? Gosto do jeito que vc escreve. Principalmente contos medievais, eles ficam pomposos e combinam muito. ;)
Achei o final enlouquecedor...!
Beijos!
Thatatatatatatatata
Postar um comentário