Um pôr-do-sol, uma bicicleta e um violão - naqueles dias, era tudo o que ele possuía, e tudo o que realmente lhe importava. Pedalava alguns minutos, levando o instrumento nas costas, todas as tardes, ao voltar do trabalho. Ainda de terno e gravata, o cabelo comprido escondendo os brincos e desmentindo a pose de homem sério que a vestimenta impunha, ele seguia para a agência de turismo onde ela trabalhava.
Invariavelmente, ela aparecia na porta antes que ele chegasse, ainda com o cabelo amarrado num duro penteado de secretária, mas já com as calças jeans da liberdade. Corria, lançava-lhe um longo beijo na bochecha e colocava o violão nas costas, subindo na garupa da bicicleta. Iam para a praia.
Onde falavam de tudo, qualquer coisa, ele reclamando e ela rindo, e vice-versa. Sentados na areia, falavam de sonhos e cantavam juntos enquanto não os realizavam. Abraçavam-se, sorriam, brincavam, mas nunca imaginavam um futuro só para os dois. Eram e estavam amigos ali, o que era bastante para ambos.
Quando ele resolveu ir embora com seu grande amor, ela só sorriu e entendeu, sem perdoá-lo: disse que o esperaria, ali, naquela areia e naquele mar, até que ele voltasse. Queria que ele ficasse, mas deixou-o ir, e ele agradeceu sendo feliz, e nunca esquecendo daquela tarde.
Estava ele, com o mesmo violão e a mesma bicicleta, um ano depois decidindo voltar. No mesmo horário de sempre, procurou-a na agência de turismo; não a encontrando, surpreendeu-se, e pôs-se a procurá-la, ansioso de saudades.
Alcançando a casa da moça, mal cabendo em si de felicidade, foi recebido por sua mãe que, ainda chorando lágrimas recentes, contou-lhe que ele não mais veria a amiga nesta terra. Morrera atropelada, voltando do trabalho, não havia nem duas semanas. Antes de ele ir embora, engolindo a tristeza, a senhora recordou que sua filha sempre sentira falta dele, e lamentou o destino que a levara.
Deitado na areia, sendo o céu estrelado, ele chorava e se deseperava, por não ter voltado a tempo de ver a amiga mais uma vez, por ter desistido dela e, principalmente, por ela não ter cumprido a promessa, a última que lhe fizera...
- Você jurou que me esperaria para sempre! - gritou, para o céu, para o mar, almejando alcançá-la, ela que já nem existia mais... voltou a chorar, lembrando de tudo, não querendo nada mais, além de ouvi-la cantar novamente.
Levou mais de duas horas para que ele percebesse o que deveria ser feito, e que ela realmente não faltara à sua palavra. Arrancou o violão da capa e começou a cantar - sem tom, amargamente, uma música desconexa que mal lhe despontava à memória. Mas, ainda assim, a única forma que lhe restara de voltar para os braços de sua amiga.
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