segunda-feira, 10 de março de 2008

A Senhora dos Olhos Brancos

Eu voltaria? Por que deveria voltar? Por que seria bom para você, seu mundo, o lixo que se tornou sua visão da vida?

As palavras negaram-se a entrar diretamente no corpo dele. Bailaram, desorientadas, procurando seu caminho natural, sem entenderem a recusa do homem em aceitar o que ele sabia ser o fim da própria vida. Ele vira a recusa nos olhos de diamante dela, muito antes de ouvir sua voz - antes mesmo de encontrá-la, ele sempre soubera. Ainda assim, não reunira coragem suficiente para realizar seu pesadelo. Insistiu, os olhos postos nos braços feridos; ela não demonstrou incômodo na expressão fria do rosto, porém apertou com os dedos ossudos sua estola de raposa branca.

Volte. Volte comigo. Volte para mim!

Ela riu sem querer, ao lembrar do passado. Fora escrava daquele senhor ferido, aquele de joelhos postos ao chão, o corpo cheio de sangue e desespero. A ele servira, por ele perdera irmãos, amigos, e a si própria. Somente recuperara seus sonhos ao ser expulsa de sua pátria. Lançada foi ao deserto de gelo, suas lágrimas congelaram em suas pupilas, fazendo-na cega.

Volte.

Ele não a procurara, nunca antes de agora. Não estendera a mão para a miserável alma, tão cega e perdida quanto o corpo - não, não fora a mão dele que a carregara para um lugar quente, para casa e comida. Tornara-se senhora daquela mão salvadora, e de seu dono, do homem e do lar que nunca vira. Possuía uma felicidade que se tornara tangível, de tão bela. Era rainha e princesa, protegida e heroína, de seu próprio castelo e com seu próprio Rei. E, agora, ele voltava, com cheiro de feridas e de angústia, implorando-lhe para ir com ele?

Os cachos negros de sua cabeça balançaram com sua negativa. Fracamente. O homem não viu, a cabeça baixa escondendo os olhos dos olhos dela, quando ela hesitou. Pela respiração entrecortada dele, ela percebeu que ele chorava, e quase chorou também. Lembrava das tardes verdes na casa verde, enquanto ele pisava com doçura em sua cabeça. Não lembrava o porquê, mas parecia-lhe que era feliz naquela época.

Volte...

Com um gesto, ela o fez levantar. Ergueu os olhos para o escuro de sua visão onde, tinha quase certeza, seria o rosto dele. Não o tocou, nem sorriu em despedida. Ele engoliu com dificuldade entre as lágrimas, mirando os olhos cegos, sentindo na boca o sal de lágrimas que não eram suas. Sinceramente, não entendia como aquela que desejara, além de tudo e de todos, estar ao seu lado, agora negava seu chamado. Mas ele não podia mais viver sem... mesmo com... por favor, volte!

Não conseguiu virar-lhe as costas antes de morrer. Tombou de lado, sem um único gemido, ainda consciente quando seu corpo tornou-se gelo e, depois disso, mais nada.

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